quinta-feira, julho 07, 2005

A natureza humana

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"Se eu fosse músico poderia escrever sem qualquer dificuldade uma melodia a duas vozes, uma melodia que é feita em duas linhas, em dois tons e duas filas de notas que correspondem entre si, que se completam, que se combatem, que se condicionam, mas que de qualquer modo estão em todos os momentos em cada ponto da fila na mais profunda e viva interacção e relação mútua.

E todos os que sabem ler pautas seriam capazes de ler a minha melodia dupla, veria e ouviria cada tom em vez do tom contrário, o irmão, o adversário, o antípoda.

Ora é precisamente isto, este trabalho a duas vozes, esta antítese eternamente gritante, esta linha dupla que eu gostaria de exprimir com palavras no meu material e trabalho imenso nisso sem no entanto conseguir.

Tento permanentemente de novo, e quando há qualquer coisa que dá tensão e peso ao meu trabalho é apenas este esforço intenso para alcançar o impossível, esta luta feroz por aquilo que não se alcança.

Gostaria de encontrar a expressão para a dualidade, gostaria de escrever capítulos e frases onde fossem sempre e simultaneamente visíveis a melodia e a contra-melodia, onde, ao lado da policromia estivesse a unidade, ao lado do gracejo a seriedade.

Porque é só nisso, para mim, que consiste a vida, no flutuar entre dois pólos, no oscilar entre os dois pilares fundamentais do mundo.

Gostaria de apontar sempre cheio de encanto para a sagrada policromia do mundo e ao mesmo tempo lembrar que essa policromia se baseia numa unidade; gostaria de mostrar sempre que o belo e o horrível, a claridade e a escuridão, os pecados e a santidade só por um instante é que são contrários, que estão sempre entrelaçados.

(...)

Mas talvez seja um grande erro, sim, um pecado meu, pensar que tenho de servir para anunciar estas elevadíssimas noções."



Hermann Hesse, Aquista, 2ª Ed., Difel - Difusão Editorial, S.A., pp 131
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