quinta-feira, agosto 24, 2006

Corridas

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Justiça Restaurativa: uma longa maratona ou os 110m com barreiras?
Breves notas pessoais

Não temas o progresso lento, receia apenas ficar parado.
Confúcio

Ao contrário do que se possa imaginar, olhando para um passado muito recente, podemos afirmar que o movimento restaurativo se tem expandido a um ritmo impetuoso, não obstante a vontade patente nos seus apoiantes em alastrar a aplicação dos princípios filosóficos que encerra.

O que torna então esta ‘filosofia’ tão atractiva e ao mesmo tempo tão assustadora que levanta invariavelmente os mesmos tipos de resistências?

Estamos em crer que o ‘milagre’ gerador de desconfiança reside na convicção de que o indivíduo (vítima de crime, autor de crime, pessoas cuja confiança social tenha sido afectada) pode avocar a si a gestão do conflito e dos seus efeitos e deliberar em conjunto com o(s) outro(s) sobre a melhor forma de ultrapassar as marcas negativas do mesmo – o resgate do conflito (Christie, 1977).

Não queremos, porém, com isto dizer que o sistema tradicional é simplesmente ineficaz e que todo o conflito será resolvido através de práticas restaurativas – além de naif, este discurso tem a aptidão de gerar embaraços práticos na interactividade das práticas restaurativas com as instituições sociais. Ao invés, afigura-se-nos que só numa sociedade onde o indivíduo goze de confiança no seu sistema de Justiça poderá verdadeiramente desabrochar a capacidade deliberativa, essencial ao alcance do núcleo dos princípios restaurativos: tornar as partes envolvidas responsáveis pela resolução do seu conflito. Caso este objectivo não se alcance, quer porque as partes não quiseram/puderam participar, quer porque não foi possível alcançar um resultado satisfatório para os intervenientes, está, como pilar social, o sistema tradicional de Justiça – o garante da legalidade, investido de auctoritas.

Esta questão da autoridade tem produzido uma das maiores resistências ao movimento restaurativo, a mais das vezes por simples confusão de conceito: a Justiça Restaurativa não se concebe como investida de jus puniendi ou de qualquer autoridade estatal; a autoridade em que assenta é a autoridade moral do consenso derivado de um exercício de liberdade e igualdade inerente ao processo deliberativo, não adversarial, onde as partes determinam o conteúdo e o alcance do processo a que decidiram, por livre vontade, aderir e de onde podem, a todo o tempo, retirar-se, se assim o entenderem. É a perspectiva do indivíduo que se auto determina e que dá voz às suas expectativas, a lente que foca o lado humano da regulação social.

Por outro lado, além da prática da mediação, têm vindo a crescer as práticas restaurativas de inclusão comunitária – círculos e câmaras restaurativas, na terminologia brasileira - onde os elementos da comunidade assumem um papel preponderante no processo. Indubitáveis os seus benefícios em determinados contextos, não deixa porém de levantar o receio do controlo social como tranferência do poder de punir do Estado para a esfera privada e, consequentemente, com reduzidas garantias jurídicas (comunitarismo ou controlo social – vg. Crawford, 2003). Acreditamos, ainda assim, que o caminho se fará pela inclusão comunitária o que trará indissociavelmente benefícios pedagógicos aplicados em sede de re-criação de comunidades locais (Wright, 1996).

O papel do indivíduo e das comunidades na realização da Justiça pode, na perspectiva Habermasiana, correlacionar uma dupla função legitimadora – a validação moral das normas operada através de consensos particulares até à generalização normativa, e, por outro lado, a função de confirmação da norma (Habermas, 1984; 1986), num fluxo contínuo de informação entre indivíduos e Estado: o espelho da aplicação normativa.

Mais do que mero votante, o indivíduo assume-se assim como participante activo não apenas na gestão dos seus conflitos pessoais, mas também como aferidor da conformação da norma com a realidade – com um papel pro-activo na vida da polis, reinventando a figura grega do ho boulomenos.

É conhecido o carácter flexível das práticas restaurativas – o seu atributo resiliente que permite a adaptação não só às constantes mutações sociais, como também ao multiculturalismo dos tempos modernos – estaremos perante a existência de um possível barómetro social?

Estas considerações soltas remetem-nos à conclusão de que o grande desafio reside na aprendizagem social do paradigma. Recentemente, em Junho passado (15-17 Junho, 2006), na cidade de Barcelona, realizou-se a 4ª Conferência do Fórum Europeu de Justiça Restaurativa subordinado ao tema: Restorative Justice and Beyond. Procurou-se alargar a perspectiva quanto aos possíveis âmbitos de aplicação, através da partilha de experiências em contextos tão variados como conflitos violentos e vitimização de massas (o caso irlandês), racismo, escolas e comunidades[1].

Lode Walgrave, na sessão de encerramento, concluiu que, tal como Sísifo, poderemos nunca conseguir rolar a pedra até ao cimo da montanha, pois o castigo e a violência dificilmente serão eliminados do mundo.

Estaremos nos primeiros metros barreiras de uma interminável maratona em constante aperfeiçoamento?

Terminamos como começámos, com um antigo provérbio chinês: ‘Podemos escolher o que semear, mas somos obrigados a colher aquilo que plantamos’.

Sónia Sousa Pereira
(Texto elaborado para integrar a monografia de conclusão da especialização em Bioética IEC/PUCMINAS, de Márcia Monteiro Rosa)

[1] O programa e informação relevante sobre esta conferência encontra-se disponibilizado em http://www.euforumrj.org/conferences.htm#Barcelona – acesso em Agosto de 2006.

Referências:
Christie, N. (1977). Conflict as Property. British Journal of Criminology, 17: 1-26.
Crawford, A. (2003). ‘In the hands of the public?’. In G. Johnstone (ed.) A Restorative Justice Reader: Texts, sources, context: 312-319.Willan Publishers.
Habermas, J. (1971), Knowledge and Human Interest (trans. by J. J. Shapiro). Boston: Beacon Press.
_________ (1984), The Theory of Communicative Action: Reason and the Rationalization of Society (trans. by Thomas McCarthy). Boston: Beacon Press, vol. 1.
_________ (1986), ‘Law and Morality’ (trans. by Kenneth Baynes)., in The Tanner Lectures on Human Values. Delivered at Harvard University October, 1986
Wright, M. (1996). Justice for Victims and Offenders: A Restorative Response to Crime. 2nd ed. Winchester: Waterside Press

segunda-feira, agosto 07, 2006

10 Anos de Reconciliação e Verdade

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Uma história com 10 anos.

Uma conferência para quem quiser saber mais, subordinada ao tema:

MEMORY, NARRATIVE & FORGIVENESS

É já em Novembro, na Cidade do Cabo.

Info aqui.

SSP

Sábias palavras, Sr. Bastonário!

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À pergunta: Não há, então, maneira de tornar a justiça mais rápida?

Responde o Senhor Bastonário:

(...)

O que é preciso é diversificar os meios alternativos de resolução de conflitos como a Ordem tem dito, seja com mediações, seja com julgados de paz, tribunais arbitrais e outros garantindo o que é tão essencial nessas instâncias como nos tribunais judiciais: o patrocínio do advogado. A necessidade de advogado não tem a ver com o local onde ele desempenha as suas funções, mas com os direitos que tutela e com o facto de ser o garante que o cidadão está esclarecido sobre o que resulta do incumprimento dos seus deveres e sobre a forma como exerce os seus direitos.

(...)

Entrevista do Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Rogério Alves, ao Correio da Manhã (retirado do Verbo Jurídico)

Sem esse esclarecimento e sem que o mediador se certifique que as partes assim o sentem, não falamos verdadeiramente de mediação, ou de qualquer outra prática que envolva uma participação voluntária e livre dos directamente relacionados com o conflito - os seus 'proprietários' nas palavras de Nils Christie.

Mas... ainda e sempre, pobres dos meios alternativos de resolução de conflitos quando identificados como "as rapidinhas" do sistema.

O menor de todos os argumentos.

Digo eu...

SSP
A Member of the Alternative Dispute Resolution Web Ring

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